quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Dialética em sala de aula

Amigos, andei pensando em como as palavras do universo acadêmico, especialmente as voltadas para a educação, às vezes parecem não fazer sentido na prática. Ouvindo de muitos estudantes universitários e recém-formados a dificuldade quem têm em adequar o conhecimento adquirido à elaboração do planejamento e das aulas e estes à prática em si; resolvi compartilhar com vocês um pouco do meu aprendizado a respeito de alguns vocábulos, seus sentidos e intensões, e como procurei vivenciá-los, sem nenhuma pretenção de torná-lo um tratado científico, ou um dicionário, apenas reflexões.
Vamos começar por Dialética.

Dialética, segundo Leandro Konder, no sentido moderno, "é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação".
Dialética é movimento, o ir e vir constante de ideias que ora se reafirmam ora se contradizem. É o diálogo permanente, contando com o imprevisível, o diferente. A dialética é como as ondas do mar: uma após a outra, constantes, mas sempre diferentes.

Na sala de aula, a dialética ocorre ainda que o professor se posicione como um ser tradicionalista, reprodutivista, pois ela está no pensamento de cada aluno, na forma como cada um lê o mundo, percebe-o e compartilha-o. No entanto, quando o professor considera a dialética, sua aula cresce, se expande, pois o diálogo se faz presente, trazendo a possibilidade de novas ideias, levantamento de hipóteses que podem ser comprovadas ou refeitas, tudo num espírito investigativo livre.
Para que as aulas sejam dialéticas, é preciso considerar,caros colegas, a liberdade. É preciso construir uma relação saudável, coerente, observando todos os conflitos e limites, sem se esquivar deles, procurando subsídios no prórpio diálogo para resolvê-los. Uma aula dialética leva em conta a vida de cada um, com todas as suas diferenças e riquezas existenciais. Considera a cultura, o símbolo, o psiquismo, a emoção, os sentidos e o corpo, pois comprende que cada aluno é único e diverso. Dessa forma, a dialética caminha de mãos dadas com a ideia de um ser humano integral.
Vejamos a seguir, o poema O Mar de Manoel Xundu:

O mar se orgulha por ser vigoroso
Forte e gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move se agita
Parece um dragão feroz e raivoso
É verde, azulado, sereno, espumoso
Se espalha na terra, quer subir pra o ar
Se sacode todo querendo voar
Retumba, ribomba, peneira e balança
Não sangra, não seca, não para e nem cansa
São esses os fenômenos da beira do mar.


O próprio coqueiro se sente orgulhoso
Porque nasce e cresce na beira da praia
No tronco a areia da cor de cambraia
Seu caule enrugado, nervudo e fibroso
Se o vento não sopra é silencioso
Nem sequer a fronde se ver balançar
Porém se o vento com força soprar
A fronde estremece perde toda calma
As folhas se agitam, tremem e batem palma
Pedindo silêncio na beira do mar

Não há tempestades e nem furacões
Chuvadas de pedras num bosque esquisito
Quedas coriscos ou aerólito
Tiros de granadas de obuses canhões
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo serra a desabar
Nuvens mareantes, tremores de terra
Estrondo de bombas, rumores de guerra
Que imite a zoada das águas do mar.

Como percebem, a dialética é a própria vida, é o movimento contínuo e permanete, que metarmorfosea os seres. Seja nas águas calmas e serenas, seja nas ondas cantantes, seja nas palmeiras agitadas ao vento, ou nas serras, nas planícies, tudo é dialética. Então, porque tolher esta força de vida nas salas de aula, porque fugir desta condição natural que se espraia por nossas almas, graças à condição livre de sermos humanos e de estarmos vivos?
Observem as leis da dialética marxista:
1. ação recíproca, unidade polar ou "tudo se relaciona";
2. mudança dialética, negação da negação ou "tudo se transforma";
3. passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa;
4. interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários.

Se observarmos estas leis, sem querer fazer ode ao marxismo, aqui não é o caso, teremos uma receita essencial para desenvolver as nossas aulas:
Perceber que tudo no universo se relaciona, e nós somo resultado histórico dos nossos antepassados; que somos causas das consequencias futuras.
Ainda neste princípio primeiro, devemos perceber um ao outro considerando todas as diferenças, todas as potencialidades e todos os níveis do ser humano.
Quanto ao segundo princípio, é evidente que tudo se transforma.Nos inspiremos na Lei da Conservação das massas de Lavoisier "Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". Vamos expandir isso para como as coisas se modificam ainda que não se deseje. A mudança ocorre, à revelia da vontade de alguns e graças à vontade de outros. Podemos ser agentes transformadores, quando consideramos a dialética, para provocar em nossos alunos o conhecimento de si mesmo e do outro, ou nos comportarmos como encalço do universo, tentendo interromper o seu giro, o seja, as mudanças.
Muito se tentou melhorar o desenvolvimento do país, atuando na educação. De início, foi feita uma mudança quantitativa, multiplicando as salas de aula, o número de vagas, a quantidade de conteúdos, etc. No entanto, na década 80, mais precisamente, foi-se percebendo que a mudança quantitativa não garantia o desenvolvimento; era preciso uma mudança qualitativa. Isso é dialética!
Dai, foram desenvolvidos diversos projetos, como Ciranda de Livros, Salas de Leitura, entre tantos outros.
Mas a mudança, pra ser qualitativa, deve ocorrer antes e constantemente no interior de cada um, através do diálogo constante, do autoconhecimento.
Já o último princípio nos chama atenção para as contradições. Observe que o ser humano é contraditorio, pois está sempre a refazer-se. Contudo há contradições que ocorrem pela falta de autoconhecimento. Um exemplo disso é quando alguém pensa de uma forma e age de outra completamente diferente. Bem, ela não agiu, apenas reagiu, por conta de situações do momento ou pretéritas marcadas nos seus sentidos. É preciso compreender esta luta entre os contrários para, cultivando o respeito às diferenças, amenizar os paradoxos sociais, como as guerras santas, ou qualquer outro tipo de guerra, as desiguldades gritantes,que mutilam, desabrigam, excluem e matam.
Amigos, uma aula dialética compreende o ser humano, exercitando os sentidos, a mente, o corpo e os sentimentos, num momvimento curioso, amoroso e solidário.
Vamos assumir a dialética em nós.
Para finalizar esta nossa conversa, vejamos este lindo poema do Mestre Neruda, com toda a sua dialética.
Se cada dia cai

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

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